Skip to content Skip to footer

A Bíblia traduzida para as línguas indígenas do Brasil

Conheça o trabalho desenvolvido pela Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM)

Como é o trabalho de tradução da Bíblia para os povos indígenas? De que forma são mapeadas as comunidades não alcançadas? Quais são os desafios de uma missão como essa? Qual é a formação necessária para atuar em tal contexto? É justamente para trazer respostas a essas perguntas que entramos em contato com a Assosiação Linguística Evangélica Missionária (ALEM).  

Fundada em 1982, aorganização trabalha em parceria com a igreja brasileira e tem como finalidade preparar pessoas para o ministério de tradução da Bíblia e educação intercultural. Atualmente, a ALEM está presente nas regiões Norte e Centro-Oeste do país e desenvolve atividades em Burkina Faso, Guiné-Bissau, Timor Leste, Índia e Sudeste Asiático. Dentre as ações, oferece cursos para preparar os vocacionados para atuar em duas grandes linhas do ministério: a tradução propriamente dita e a educação, já que a maioria dos povos ainda não possui um sistema de escrita e é necessário alfabetizá-los em sua própria língua.

Acompanhe, a seguir, nosso bate-papo com Lusineide Moura, secretária executiva da ALEM. Licenciada em Letras, Bacharel em Teologia e capacitada nas áreas de Linguística e Missiologia, a profissional atua na organização há 24 anos e, entre outras atividades, trabalhou durante 14 anos nas áreas de Educação e Tradução em uma comunidade indígena. Na entrevista, ela compartilha detalhes sobre a dinâmica do dia a dia dos missionários, fala sobre as necessidades do campo e deixa uma mensagem aos leitores da MC. Um conteúdo interessante para ler e compartilhar. Confira!

Mundo Cristão: Qual é a realidade do Brasil no que diz respeito à tradução da Bíblia para as etnias indígenas que ainda não possuem as Escrituras em suas respectivas línguas?

Em relação ao que já está traduzido, existem atualmente sete Bíblias completas, 39 Novos Testamentos e algumas porções das Escrituras. Existem ainda 11 línguas que reconhecidamente necessitam de tradução neste momento. O número pode ser maior, pois há povos isolados sobre os quais não se tem informações suficientes. Esses dados estão na pesquisa recentemente divulgada pela Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), com dados de 2018. A pesquisa anterior era de 2010.

Em alguns contextos, o trabalho se torna mais difícil por causa de alguns impedimentos governamentais e outras restrições, que dificultam ou impedem a entrada do missionário nas aldeias. Um aspecto positivo é que muitas organizações estão unindo forças para ganhar velocidade e qualidade no trabalho de tradução. É o caso de uma Bíblia completa que está sendo usada por um povo que vive no Brasil, mas que foi traduzida no Suriname, e também de três Novos Testamentos, que são adaptações de traduções feitas em países vizinhos.

Como essas etnias são identificadas? De que forma se desenvolve o trabalho a partir daí?

As informações para o início de novos projetos são obtidas em pesquisas que, nos últimos anos, têm ficado por conta da AMTB, através de seu Departamento de Assuntos Indígenas (DAI). As pesquisas resultam de um minucioso trabalho de campo que avalia o número de falantes e o quanto a língua é falada pelas pessoas da etnia. A partir desses dados, é possível avaliar se a tradução vai ser mesmo necessária ou se as pessoas daquela etnia podem usar outra Bíblia já existente em uma língua que compreendem e aceitam. Mais importante que tudo isso é saber se o povo quer a tradução.

De que forma acontece a dinâmica do trabalho de tradução da Bíblia para as línguas indígenas?

Há 50 anos, o missionário aprendia a língua, analisava o trabalho e ele mesmo fazia a tradução. Hoje, ele aprende a língua e a cultura e tem o papel de facilitador porque é o falante nativo que a traduz, de fato. O missionário facilita para que o texto seja colocado numa linguagem mais simples e, assim, possibilite que o falante nativo faça a tradução. Cada porção traduzida é corrigida por um grupo de leitores/ouvintes que não participaram anteriormente na edição do texto. Depois, o material passa por quantas consultorias forem necessárias, por meio da avaliação de um consultor treinado e com experiência.

Quais são as principais dificuldades e desafios de uma atividade como essa?

Enfrentamos muitos desafios; entre eles podemos citar:

  1. Recursos humanos: há uma carência de novos tradutores para projetos em andamento e para iniciar novos projetos. São necessários não apenas linguistas, mas também educadores, profissionais das áreas de tecnologia da informação, comunicação etc.  
  2. Intercessão: há uma necessidade constante de orações para que o Senhor mande mais obreiros para a sua seara, para que permita o bom fluxo do trabalho e para que abra novos caminhos, apoios e oportunidades.
  3. Deslocamento: às vezes o acesso ao local onde o povo está é muito difícil; em alguns casos, só se chega de barco ou avião.
  4. Recursos financeiros: o preparo específico e as longas distâncias a serem percorridas demandam muito investimento financeiro. Há vocacionados, por exemplo, que não conseguem fazer a capacitação ou avançar no trabalho por falta de dinheiro.

Quais cuidados são tomados ao lidar com culturas diferentes, ao falar do amor de Deus para pessoas que possuem outra (s) fé (s)?

Temos Jesus como nosso modelo. Para alcançar a humanidade, ele se encarnou, “virou gente”. Foi assim que Deus se revelou à humanidade, se tornando um de nós. Temos que nos esforçar ao máximo para entender a cultura, olhar o mundo com os olhos e a percepção dessa cultura, para se colocar no lugar do próximo. Antes de tudo, deve-se criar e desenvolver um bom relacionamento com a comunidade e conhecer a cultura para, então, comunicar o evangelho de uma forma que seja efetiva dentro da realidade em que as pessoas vivem; caso contrário, a mensagem não terá relevância para a comunidade.

Como exemplo, posso citar o caso de uma comunidade onde a tradução estava sendo feita, mas o povo não estava muito interessado na mensagem, até que o missionário entendeu que nessa cultura as coisas importantes não são ditas, mas cantadas. Ele teve que reformular todo o seu trabalho para que a tradução fosse feita dentro do ritmo musical do povo. Em outra comunidade, a mensagem não entra no coração, mas na cabeça. Para aquele povo, Jesus entra na cabeça, não no coração.

Qual é o perfil dos missionários e dos profissionais envolvidos com os trabalhos de tradução? Quais conhecimentos, características e experiências são necessários?

A grande maioria de nossos missionários tem graduação. Outra parte considerável tem pós-graduação nos níveis de mestrado e doutorado. Precisam ter o treinamento linguístico que é oferecido uma vez por ano na base da ALEM; para os que vão trabalhar com educação, tem o treinamento na área de educação também. É essencial que sejam pessoas com vida cristã exemplar, que ofereçam um bom testemunho, tenham o perfil de servos, disposição para atuar em equipe e compreendam e respeitem a singularidade de cada cultura, com toda sua beleza e riqueza.

Quais resultados a ALEM já alcançou até o momento? Há projeções para os próximos anos?

Temos dois Novos Testamentos traduzidos e outra tradução do NT que está em andamento. Nossa meta é enviar 30 missionários nos próximos 6 anos para os povos não alcançados, treinar 50 pessoas na área de educação e 40 na área de tradução, desenvolver um programa de treinamento de consultores e contar com um programa de tradução iniciado no Brasil para cada língua que necessite.

Atualmente, quais são as necessidades mais urgentes da instituição?

São muitas as necessidades, uma delas é mobilizar recursos humanos, principalmente missionários de base.

A ALEM participa do projeto “Visão 2025” promovido pela Wycliffe, instituição internacional que promove a tradução da Bíblia para línguas não alcançadas. Qual é o objetivo desse projeto?

O objetivo desse trabalho é iniciar um projeto de tradução da Bíblia para cada língua que a necessite. A meta para atingi-lo é o ano 2025. Temos ainda 2.184 línguas que precisam de tradução.

Como um interessado pode participar e ajudar a ALEM?

As pessoas que puderem auxiliar na base, em especial, serão muito bem-vindas, pois o que ocorre hoje é que missionários estão deixando o campo por um determinado período para atuar em questões mais administrativas. Precisamos de pessoas das mais diversas especialidades para nos auxiliar na manutenção predial, na gestão financeira e contábil e na comunicação, dentre outras áreas.

Algumas tarefas, inclusive, podem ser feitas à distância, como é o caso da produção de textos e design gráfico. Os interessados podem entrar em contato conosco para que entendam melhor como suas habilidades podem ser a solução para nossas necessidades.

Uma mensagem final aos leitores.

Quero destacar aqui a interdependência entre a tradução da Bíblia e as demais atividades missionárias. Não há como falar de discipulado ou plantação de igrejas para um povo não alcançado, por exemplo, se não há Escrituras traduzidas na língua que aquelas pessoas entendem. Da mesma forma, não faz sentido simplesmente traduzir a Bíblia se o povo não compreender o conteúdo, não estudar, não meditar, não providenciar um local para reuniões e cultos e não assumir a responsabilidade pela obra em sua comunidade.

Quando estamos com o povo, enxergamos também outras necessidades, como educação, saúde e assistência social. Precisamos apoiá-lo, e a cooperação entre pessoas e organizações é muito necessária. Temos que atuar em comunidade porque é esse o padrão bíblico.

Leia também:

Semear para transformar – 100 mil Bíblias para o Brasil

Etnocentrismo, relativismo cultural e missões

Conheça:

Ore pelas nações

Cesino Bernardino – A saga de um missionário

Deixe um comentário

Inscreva-se em nossa newsletter e receba informações sobre nossos lançamentos!